“Como somos iniciantes na linguagem do cinema, temos as deficincias e a falta de experincia de todo iniciante, mas tambm temos a coragem de quem ainda no sabe o que est fazendo direito”
Marcos Malafaia, diretor do Giramundo
Um divisor de guas – assim Marcos Malafaia, diretor do grupo Giramundo, define o filme “O pirotcnico Zacarias”, a primeira incurso da cinquentenria companhia de teatro de bonecos no universo do cinema, que estreia na prxima sexta-feira (10/12), marcando a abertura da 19ª edio da Mostra Udigrudi Mundial de Animao (Mumia).
Ele destaca que se trata de um filme muito experimental, alinhado com a prpria trajetria do Giramundo, mais notadamente aps a morte de seu criador, lvaro Apocalypse, quando a companhia, com o espetculo “Pinocchio” (2005), comeou a trazer mais elementos para a cena – como o uso de imagens projetadas, o que Malafaia considera o incio do processo que agora desgua no filme “O pirotcnico Zacarias”.
Na avaliao do diretor, trata-se de uma obra precursora, que abre caminhos e d segurana trupe para novos projetos nesses moldes. “Acho que ‘O pirotcnico’, como est entre o teatro de bonecos e o cinema de animao, vai dialogar com essas duas pontas de um jeito original, que o jeito Giramundo”, diz.
Em sua avaliao, depois dessa experincia, o grupo no volta mais a ser o que era. “O Giramundo dos espetculos clssicos permanece, existe, vai se apresentar, mas acredito que o caminho mais forte para o futuro esteja nas telas, no nos palcos.”
“O pirotcnico Zacarias” que estreia na 19ª Mumia , segundo Malafaia, um filme hbrido, que conjuga desenho animado, manipulao de bonecos, stop motion, atores de carne e osso, mscara e sombras, entre outros elementos. Ele considera que esse exerccio audiovisual marcado pelo risco e pela experimentao no poderia ser mais simblico para marcar as cinco dcadas de trajetria do grupo.

EXPERIMENTO
“Como somos iniciantes na linguagem do cinema, temos as deficincias e a falta de experincia de todo iniciante, mas tambm temos a coragem de quem ainda no sabe o que est fazendo direito”, afirma.
Segundo o diretor, “‘O pirotcnico’ o melhor experimento artstico-cientfico possvel para a gente ver por onde anda o Giramundo, onde estamos agora, aos 50 anos, o que curioso, porque, numa comemorao como essa, a gente pressupe o passado, mas o que a gente faz com esse filme comemorar o futuro. um marco que aponta para a frente”, diz.
Ele avalia que h, naturalmente, muitos pontos de contato entre o filme que agora estreia e o espetculo do qual se originou, mas que so obras distintas, levadas ao pblico por meio de linguagens com caractersticas muito diversas.
“Havia o desejo de no fazer teatro filmado, esse foi o desafio. O filme ‘O pirotcnico Zacarias’ no teatro filmado, uma obra autnoma, que, no entanto, nasce de uma obra teatral, no nasce no modo convencional do cinema, a partir de um roteiro para cinema. A gente precisou fazer muitas adaptaes. Quem assistiu ao espetculo e vai assistir ao filme vai reconhecer algumas cenas, mas outro suporte. O roteiro passou por muitas mudanas”, ressalta.
Com durao que Malafaia situa numa “margem de erro” – com seus 64 minutos, ele diz que pode ser considerado um mdia-metragem longo ou um longa-metragem curto –, “O pirotcnico Zacarias” soma-se a outras investidas pregressas do Giramundo no universo da produo audiovisual. O grupo j participou do “Castelo r-tim-bum” (TV Cultura), da srie “Hoje dia de Maria” (Globo) e do filme “A dana dos bonecos”, de Helvcio Ratton, mas sempre na condio de “convidado”.
A diferena agora, segundo o diretor da trupe, que o Giramundo assume integralmente as rdeas da realizao da obra. “Nunca tnhamos feito um filme todo produzido dentro do nosso espao. a nossa primeira produo completa, e isso mudou muita coisa no grupo. Subitamente, nos deparamos com um cenrio criativo muito amplo, porque antes tnhamos o limite do que possvel no palco. O cinema destri esses limites e constri outras possibilidades”, comenta.
MUDANAS
A experincia com o filme imps ao grupo uma profunda mudana criativa, conforme diz o diretor. “O boneco existia num espao limitado pelo tempo, pelo nmero de marionetistas, pela iluminao do teatro. O teatro precisa da imaginao do espectador para completar o que falta. Essa falta fora a linguagem do teatro a ser muito metafrica, simblica. No cinema no, um mundo infinito de possibilidades, ainda mais no ramo pelo qual a gente se aventurou, que o cinema de animao. uma mudana de mdia que ampliou as possibilidades do boneco; ele pode virar desenho animado, stop motion, ele pode pular no tempo, porque existem os cortes”, cita.
Malafaia destaca que essa a mudana criativa, mas sublinha que a imerso no universo audiovisual tambm implicou uma mudana organizacional. O grupo teve que abraar uma outra metodologia, a de produo para o cinema, que industrial e muito organizada. “Os cronogramas so diferentes, os setores so complexos, a articulao entre eles muito intensa, porque existe uma dependncia grande entre um e outro”, diz.
Pelo fato de “o cinema ser muito interdisciplinar”, abraar essa linguagem “produziu um choque na raiz do Giramundo, no modo de o grupo se organizar”, afirma o diretor. “Acho que isso no tem mais volta. Percebo essas duas grandes mudanas, pelo lado criativo e pela situao organizacional. Agora que produz audiovisual, o grupo forado a se organizar de um novo modo, unindo a estrutura tradicional s novas exigncias que essa linguagem traz.”

RESISTIR PRECISO
Alm dos holofotes sobre “O pirotcnico Zacarias” – que ser exibido na abertura da Mumia, na sexta-feira, s 20h, no Cine Humberto Mauro, e tambm ter uma sesso no prximo dia 15, s 19h, no MIS Cine Santa Tereza, ambos com retirada gratuita de ingressos na bilheteria –, o criador e diretor da mostra, Savio Leite, destaca que a programao desta 19ª edio traz diversas outras atraes. So 141 filmes de 16 diferentes pases, alm das produes locais e nacionais na programao desta edio da mostra.
As animaes esto divididas nas sees competitivas de filmes mineiros, brasileiros e internacionais. Entre os ttulos que o diretor considera imperdveis esto o mdia-metragem “Um conselho animador”, de Thiago Calado, de Uberaba, que h muitos anos trabalha nos Estados Unidos, e, na mostra nacional, “Carne”, de Camila Kater, uma coproduo com a Espanha muito premiada no ano passado.
“A animao do Thiago um filme infantil que ele fez para os filhos explicando o que ser animador. J no ‘Carne’ a diretora discute a posio da mulher no mundo atual”, aponta. Outro ttulo nacional de destaque, segundo ele, “Magntica”, de Marcos Arruda, que passou pelo Festival de Tiradentes no incio deste ano e tem circulado por vrias outras mostras. “Marcos trabalha na Otto Desenhos Animados, do Otto Guerra. Esse o primeiro curta dele e muito psicodlico, sem deixar de ser para todos os pblicos”, comenta.
Nas mostras internacionais, Savio aposta suas fichas em ttulos como “Adoption”, dos diretores Mathilde Vollekindt, Baptiste Reszel e Kim-Chi Segard, que discute a adoo de crianas; “Serial parallels”, em que o diretor Max Hattler constri uma animao a partir de fotografias de prdios em Hong Kong; “The kite”, do eslovaco Martin Smatana, que foi selecionado para a Mostra de Cinema de Berlim; e “Hunter heart”, da diretora inglesa Carla Mackinnon, que trata de relacionamentos abusivos.
SAUDOSISMO
Para Savio Leite, num contexto de pandemia e num cenrio poltico em que a cultura, de modo geral, desprezada, quando no atacada, realizar a 19ª edio da Mumia foi um ato hercleo. “ uma edio de resistncia mesmo, mas que, de certa forma, traz um certo sentimento saudosista, porque a primeira edio tambm foi feita como essa agora, sem grana, na raa.”
Ele comenta que “o que tornou possvel essa 19ª edio que, com o tempo, a gente conseguiu construir uma rede muito forte, com pessoas dispostas a ajudar das mais variadas formas”, destacando o apoio da Fundao Clvis Salgado e do MIS Cine Santa Tereza, onde ocorre a maior parte das sesses presenciais. O Instituto Undi e o C.A.S.A. – Centro de Arte Suspensa & Armatrux, em Nova Lima, tambm vo abrigar aes da 19ª Mumia.
O balano que o diretor faz dos quase 20 anos da mostra largamente positivo. “A gente conseguiu inserir a Mumia no calendrio cultural de Belo Horizonte e no cenrio nacional dos festivais de cinema, com um lugar de destaque. De alguns anos pra c, passamos a ser considerados o segundo maior evento dedicado ao cinema de animao do Brasil, atrs apenas do Anima Mundi”, afirma.
“Ao longo desses 19 anos, publicamos quatro livros sobre animao, lanamos um DVD que compila animaes mineiras, em 2017, e estamos em processo de estruturao de um Museu da Animao. tudo muito difcil, o cenrio complicado, ento o primeiro impulso desistir, porque no tem grana, mas a gente tem que resistir.”
19ª MOSTRA UDIGRUDI MUNDIAL DE ANIMAO – MUMIA
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Filme de animao do Giramundo marca guinada do grupo ao cinema
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